Sociedade separada por vagões
Andréa Maciel Garcia
Notícia sobre Performance e a Lei.
Um comportamento específico dos homens começou a incomodar algumas mulheres que trafegavam nos vagões dos trens e metrôs do Rio de Janeiro. Nos horários de pico, as mãos de alguns homens um pouco mais animados começaram a passear também pelas curvas e partes do corpo das mulheres que estavam no vagão.
O incômodo feminino chegou a mídia e imediatamente foi sancionada uma lei criando um vagão só para mulheres. Segue abaixo o texto que descreve essa lei:
Agora é lei: as empresas que administram o sistema ferroviário e metroviário no estado são obrigadas a destinar vagões exclusivos para mulheres nos horários de maior movimento - das 6h às 9h e das 17h às 20h. A nova norma é determinada pela lei 4.733/06, de autoria do presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani (PMDB), que foi sancionada pela governadora Rosinha Garotinho e publicada no Diário Oficial do Executivo desta sexta-feira (24/03).
Esta é mais uma sinalização de que esta Casa está preocupada com a criação de uma sociedade mais justa e generosa, e que fará o possível para combater qualquer tipo de violência. E não há maior violência do que aquela que constrange e, conseqüentemente, impede as mulheres de denunciar", afirma Picciani. O deputado espera que a criação de um espaço específico para mulheres, a partir da separação de um vagão por composição, possa contribuir. Além disso, a lei determina, ainda, que os vagões destinados às mulheres poderão ser destacados entre os demais, ou adicionados às composições, a critério das concessionárias. As empresas terão 30 dias para cumprir a lei. Após este prazo, quem desobedecer a norma estará sujeito a multa de 150 Ufirs - e, caso a irregularidade não seja sanada em até 30 dias após a noficação pelo órgão fiscalizador, será aplicada multa diária de 50 Ufirs.
A formulação desta lei caiu como uma pedrada na alma feminina brasileira. Na minha rota diária pelos metrôs da cidade, puxava assunto com as passageiras e escutava frases como essas:
“Quem foi que disse que eu quero viajar só no meio de mulher!”
“Que bobagem! Quer dizer que eu não vou nem mais poder paquerar no caminho?”.
“Olha, sinceramente é uma palhaçada. Ou a gente ensina os homens a se comportarem ou estamos perdidas”.
De corpo presente no local em que surgiu a questão que levou a sanção desta lei pude perceber que as questões levantadas pelo deputado que a criou não eram tão pertinentes assim à realidade dos fatos.
No entanto, a questão que mais me provocou inquietação foi o fato de os Congressos estarem eternamente criando leis que recorrem a mecanismos de separação e segregação para resolver os problemas existentes nas relações sociais.
Uma das passageiras com quem conversei fez uma sábia declaração. “Ou a gente ensina os homens a se comportarem ou estamos perdidas”. – Deixar os homens bolinadores isolados em outro vagão irá promover algum melhora nas relações existentes entre homens e mulheres no cotidiano das cidades?
E qual o desdobramento de mecanismos separatistas como este? Hoje são homens e mulheres que estão em conflito, mas amanhã outras identidades poderão estar em conflito. Será que a única solução existente para esses conflitos é a separação?
Indignada criei uma Performance que se dividia entre duas ações:
1- Equipes de triagem aparatadas de crachás e camisetas dividiram as pessoas em trens só para homens, só para mulheres, gays, pretos, nordestinos, estrangeiros.
2- Um grupo de mulheres que com pequenos megafones ou amplificadores descreveriam friamente seus assédios.
Para nossa surpresa e graças as nossas antenas, realizamos a Performance no mesmo dia e hora em que a lei foi publicada no Diário Oficial. Nossa ação foi meteórica. Os olhares perplexos dos passageiros nos seguiam tentando identificar o que estava acontecendo. Um rapaz adolescente perguntou: -“Vai ter um vagão só pra gays?” Um outro senhor ofendido a ler a placa negros reclamou:- “Eu só gente, que negócio é esse de vagão separado?!”
Depois de alguns minutos fomos abruptamente interrompidos pelos seguranças da estação. Fui levada à presidência da Super Via, empresa que administra a estação ferroviária, para conversar com a responsável. Para minha surpresa a diretora, uma mulher jovem, achou muito interessante a proposta do trabalho, mas não permitiu que continuássemos a ação no mesmo dia. Pediu que eu retornasse com um projeto escrito em punho e um pedido formal. –“Essas são as leis da Super Via”- afirmou.
Pressionada entre as duas leis, voltei pra casa. Ao chegar vi publicada no Diário Oficial a famigerada lei.
Semana que vem estaremos de volta à estação. Mando notícias.
Andréa Maciel Garcia
Olá Queridos,
Segue em anexo o relato da última Performance.
As ações propostas para a próxima Intervenção Urbana são:
- Repetir a equipe de separação de vagões com os cartazes só para homens, mulheres, negros, gringos, gays.
- Criação de um Homem Seguro. Um performer será amarrado com fitas de segurança de obra, cadeados, tapes e tentaremos convencer as mulheres a deixá-lo entrar no vagão feminino.
- Homens vestidos de mulher tentarão entrar com sua porção feminina no vagão das moças.
(Divulguem para os alunos da faculdade)
As ações foram pensadas para intervir neste mecanismo de separação criando discussões sobre o tema.
A idéia é provocar reflexões desse público em torno da questão do assédio e dos problemas de convivência. É inegável que o assédio existe, mas ele é a ponta de um iceberg de muitas outras questões cruciais que estão encobertas.
Portanto nosso objetivo é descobrir, provocar, fazer pensar e refletir sensivelmente sobre esse nosso cotidiano partido e esquizofrênico. Dar voz aos incômodos e deixar essas vozes ecoando ativamente nessa comunidade/público/sociedade.
Estamos aceitando idéias antenadas. Novas percepções podem ser depositadas no BIP- Banco de Idéias Performáticas, 24 horas a seu dispor.
PS> Precisamos dos nomes completos das pessoas que irão participar para constar no papel de autorização da Super Via.
Beijos,
Andrea.