Aparências e modos de vida: topografias do vivente na poesia e nas artes visuais

Resumo:



Este ensaio se propõe a ler pontualmente as obras de três artistas (Junco, de Nuno Ramos, Raptor’s Rapture, de Allora & Calzadilla, e Tônus, de Rodrigo Braga) frente à questão do vivente, mais precisamente em torno da discussão do pensamento de Adolf Portmann e Jakob von Uexküll na Teoria Literária e na História da Arte.

1. O tronco: o cachorro

NUNO RAMOSJUNCO (2011). Cortesia de Nuno Ramos

Em Junco (2011), o poema e a fotografia rearticulam registros de transformação da matéria. Junco é o primeiro livro de poemas de Nuno Ramos, cuja produção inclui “notas de atelier”, pensamento ensaístico e narrativas. O artista já publicou Cujo (1993), O pão do corvo (2001), Ó (2009), O mau vidraceiro (2010) e Ensaio geral (2007), a reunião de seus ensaios.

Junco é uma investigação de semelhanças. “Aqui tudo começa/ e fica/ parecido com.” (Ramos 2011, 55), escreve Nuno Ramos em um dos poemas do livro. As situações plásticas dos poemas são lugares criados pelo artista, que evocam o ambiente de suas obras. Pelo viés do poema, Nuno Ramos ficcionaliza a transformação da matéria em espaços devastados, criando, no decorrer do tempo objetivo, espaços cegos e inventados, como continua o mesmo poema: “A mortalha da terra/ parece limalha de pó./ A mortalha de carne/ parece limalha de sangue./ A mortalha do dia/ guarda o sol num buraco” (Ramos 2011, 55). Essa noção de espaço cego nos rende um efeito ausente de qualquer presença antropomorfizada. Ali, quem atua é a matéria em movimento. Nesse sentido, toda a concepção do livro se articula a partir de uma questão posta em evidência pelo artista: “O chão é a grande pergunta” (Ramos 2011, 53). Em um conjunto de obras apresentadas ao longo de sua carreira iniciada nos anos oitenta, o chão é um espaço fisicamente explorado pelo artista. Nuno Ramos se vale desse espaço expositivo para rebaixar o nosso olhar. Desde Pele[1], de 1989, até “Ai, pareciam eternas! (3 lamas)”[2], de 2012, o olhar está voltado para o chão, mais precisamente para a terra e seus ciclos de transformação da matéria. Pele e lama são duas superfícies móveis como o tecido da “mortalha”, contido no poema. Em Junco, ao se deparar com as fotografias, esta ênfase acontece com um pedaço de tronco e um cachorro morto. A dimensão escultórica da morte animal e vegetal encontra um ponto neutro que os modula pela semelhança. As imagens de um cachorro morto na beira de uma estrada e de um tronco parado na areia de uma praia procuram equivalências visuais.

Ao se valer da fotografia, da instalação, para repensar os espaços, mais precisamente um pathos dos lugares, o poema mais uma vez se torna uma forma de investigação topográfica do artista: “Um lugar não é um ganido/ nem uma voz./ Um lugar é onde/ (onde até o fim)/ as partes de um corpo crescem” (Ramos 2011, 57). Nuno Ramos expõe o limite entre o lugar e o vivente, que seria aquele que lhe dá sentido, ou ainda os signos de sua ausência: “Um lugar não é uma ave/ voando/ mas um saco de penas/ afundando/ é um lugar” (Ramos 2011, 57). Ao demarcar o que é um lugar, Nuno Ramos inicia suas definições por “Um lugar não”. Assim, um tom negativo é empregado, contrastando com a presença do vivente. É a matéria que está diante da ausência de voz ou ganido. Após esconder o sol no poema anterior, em plena mortalha do dia, Nuno Ramos nega a luz: “Um lugar não é uma luz/ talvez sua sombra/ largada no chão.// Um lugar é um chão/ que a palavra chão/ não pisa nem descreve” (Ramos 2011, 57).

NUNO RAMOS. JUNCO (2011)
NUNO RAMOSJUNCO (2011). Cortesia de Nuno Ramos

O que se ressalta em todo o Junco é que, ao se valer de um procedimento literário para acionar um pensamento plástico, Nuno Ramos expõe o limite do vivente com o seu espaço. É isso que nos faz pensar que o livro de poemas de Nuno Ramos não abandona uma reflexão no campo da escultura pelo viés do desaparecimento de um cachorro e de um tronco de árvore, enfim, pela visualidade do desaparecimento da vida animal e vegetal. O signo da terra (lama) é quem exerce o poder de uma grande maré que tudo arrasta, que tudo leva. Craca[3], por exemplo, obra exposta na 46ª Bienal de Veneza, em 1995, marca muito bem essa utilização do que uma escultura é capaz de reter deste pathos deixado em nós frente à impessoalidade da matéria em movimento, como se o “lugar não” fosse o próprio responsável pela substituição dos viventes.

Nuno Ramos se vale ainda de um espaço intermediário: ele aciona as superfícies de um cachorro morto, da areia, dos sargaços, dos cacos de vidro, do lodo, dos cipós, enfim, dos juncos. O que o artista toma por vida, no seu contraste com o chão, está na presença enigmática de sete aves pretas, enfim, corvos. O tom de presságio ou de agouro marca uma outra etapa de sua produção, que é o encadeamento de algo encantatório, que mantém no animal um signo de orientação. Assim, as considerações em torno do xamanismo, mas também dos estágios sobrenaturais que o animal é capaz de transmitir, não deixam de ter uma forte influência na arte contemporânea, de modo talvez mais intenso a partir das obras do artista alemão Joseph Beuys. Em uma perspectiva do xamanismo ameríndio, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro chega a falar de uma certa “diplomacia” entre alguns indivíduos, capazes de atravessar as barreiras corporais entre espécies, o que implica antípodas de uma epistemologia objetivista, onde há uma virada no processo de objetivação do mundo. Se nesta forma de conhecimento “a forma do outro é a coisa”, no xamanismo “a forma do outro é a pessoa”[4](Viveiros de Castro 2011, 25-26).

Em um primeiro momento, mesmo que Nuno Ramos não ocupe o papel de um xamã no espaço poético de Junco, ele apresenta os sete corvos como um elemento cíclico da matéria: “irmãos da matéria/ no curso de volta/ à confraria/ cinza/ de antigos corpos” (Ramos 2011, 21, 39). Seguindo por esse caminho, são diversas as narrativas e instalações de Nuno Ramos em que o animal assume uma força simbólica. Esse caráter simbólico da presença animal contrasta com a animalidade enquanto operação crítica, da qual Nuno Ramos se vale pontualmente em Junco, para sair de sua própria condição de autor e aí, nesse ponto, aproximar-se da figura do xamã como um “diplomata”. Ao se apropriar da condição animal proporcionada pela própria obra, ele é o último urubu do mundo (Ramos 2011, 58), como se define. E o que poderíamos tomar como mediação, sob o signo da animalidade, seria o desvio de um nível de discursividade sobre aquilo que está ligado a uma fenomenologia animal, concentrando-se, sobretudo, na força da sua própria aparição. Esta aparição animal, por assim dizer fenomenológica, partilha da linguagem em sua consistência material, isto é, a frase e o verso. Assim, na medida em que o animal se manifesta enquanto um signo de imanência, a constituição do próprio texto surge como uma expressão até então não obtida pela linguagem dita “humana”. É justamente sobre esse aspecto que se atém Marielle Macé, em Styles animaux. Macé aborda algo que está mais escondido no interesse pela animalidade. Sua própria imanência revela que a literatura torna-se um lugar privilegiado para a exposição de uma variedade de modos de vida que, em suas palavras, vem do “desejo de chamar a atenção às maneiras, às frases do vivente que encontra no mundo animal um campo de expressividade infinita (…) infinitamente diferenciada, viva e segura” (Macé 2011, 97).

Existe, no entanto, um território instável no campo da animalidade, do qual Junco faz parte. Essa constituição de “uma expressividade não dirigida ao nosso olho” (Ramos 2011, 99) implica um olhar que rearticula a relação do vivente com o mundo pelo viés da superfície. Aves como corvos e urubus são recorrentes nas obras plásticas e literárias de Nuno Ramos. É assim que se pode ver uma coerência entre um livro de narrativas como O pão do corvo, de 2001, a instalação Bandeira branca, apresentada na 29ª Bienal de São Paulo, em 2010, e o próprio poema de Junco. O animal está presente na força do que podemos tomar de sua própria inconstância e talvez seja essa mesma inconstância que tenha levado Marielle Macé a afirmar a existência de uma expressividade infinitamente diferenciada.

Essa instabilidade e inconstância encontradas na obra de Nuno Ramos permitem que nos atenhamos aos detalhes da própria topografia que nos circunda. A ênfase, neste plano, é que ela exista enquanto um conjunto de camadas em distintos estados físicos. Como a terra, o barro, o pântano, a lama fazem parte do vocabulário e das ações do artista, a poeira, unidade reduzida do signo e da matéria, corresponde àquela presença invisível que se torna uma superfície. Toda a animalidade evocada pelo artista forma então uma verdadeira “lição de geologia”, título de uma das narrativas de O pão do corvo:

Há uma camada de poeira que recobre as coisas, protegendo-as de nós. Polvilho escuro da fuligem, fragmento de sal e de alga, toneladas de matéria em grãos que vão cruzando o oceano transformam-se em fiapos transparentes depositados pouco a pouco para preservar o que ficou embaixo (Ramos, 2001, 9).

Esse fragmento, praticamente uma lição proferida pela terra, toma o detalhe que põe em comum homens, animais, objetos. A terra é uma camada que, ao se apropriar dos corpos, esconde e expõe a matéria prima de Junco: troncos sólidos e cachorros mortos (Ramos 2011, 99). Mesmo apresentando essa dinâmica lúbrica, Nuno Ramos elabora uma recusa a partir de uma elipse que apresenta a sua própria condição de vivente: “A mim foi dado: passo e peso/ fole pulmonar, grito/ mãos para cardar/ como a um peixe seu chocalho/ de espinhas.// Não foi para ceder/ à carniça/ mas para amar que me foi dado” (Ramos 2011, 45). A elipse acontece pelo próprio modo fenomenológico em que a formação dos órgãos é descrita. Eles se formam antes de ter uma tarefa: pulmões, antes de respirar; olhos, antes de ver. Para pensarmos esse corpo que está apresentado no poema, retomamos de Maurice Merleau-Ponty sua leitura do zoologista suíço Adolf Portmann. Ao abordar a formação dos órgãos, que tanto são um “conjunto semântico” quanto um “conjunto oculto” (Merleau-Ponty 1995, 244-5), o filósofo francês faz do corpo uma forma de aparição, mesmo inacabada, onde a ênfase da aparência não se restringe às fronteiras da pele, mas marca a exposição de uma forma intensa (Macé 2011, 98). É neste percurso que Marielle Macé, ao ler a questão do animal como um estilo, propõe uma “estilística do vivo”, uma “estilística da existência”, onde a literatura seria uma diferenciação das expressões do vivente (Macé 2011, 98).

Nuno Ramos, mesmo lidando com os limites do vivente, frequentemente aponta as falhas da linguagem, seus furos, uma insuficiência do que não é registrado com êxito na materialidade da frase e do verso. Assim, uma expressividade infinitamente diferenciada dos viventes, se acumulada em linguagem, corre o risco de se tornar uma bolha:

Se aumento/ o número de palavras/ o mundo, meu mundo, este mundo/ que me abraça e que respiro/ este conjunto de bolhas e besouros/ estoura.// Notícia/ poema, samba/ coração cenário/ grafado num tronco:/ a cusparada/ da chuva sabe mais (Ramos 2011, 71).

A partir dos versos de Nuno Ramos, existe algo claramente não absorvido pela matéria verbal, que se encontra na dimensão da physis, onde a própria linguagem se situa como uma tentativa de organização da vida. Nesse sentido, a escala antropomórfica torna-se outra. Pensando nos limites da enunciação, a poesia de Nuno Ramos cria um mundo onde o homem está à margem de uma narrativa na qual ele ocupava objetivamente o papel de sujeito, tendo o modo expressivo da linguagem como seu centro. Sem sujeito, sem centro, todos os viventes dentro de sua obra são reordenados a partir do excesso, próximo do que Maurice Merleau-Ponty chamou de “economia do vivente” (Merleau-Ponty 1995, 105).

Em Ensaio geral, Nuno Ramos publicou um projeto de exposição intitulado “Dois monólogos”, mais precisamente “Monólogo para um cachorro morto” e “Monólogo para um tronco podre”. Um cachorro morto e um tronco podre, praticamente os mesmos presentes nos poemas e nas fotografias de Junco. Nuno Ramos inicia o primeiro monólogo: “poesia (pausa), entre nós dois” (Ramos 2007, 359). A poesia se increve na discussão de uma linguagem precária que separa (e une) o escritor do animal morto. “Entre nós dois meu anjo, meu nojo, minhas mãos suadas e uma fenda. Vê, onde um corpo fendido recebe outro corpo e um terceiro corpo nasce deles, entre eles, feito de. (Pausa)” (Ramos 2007, 359). Nuno Ramos enumera em seguida “vento, mau-cheiro, delícia; sabão, carranca, monotonia”. A estrutura dramática do monólogo faz com que haja entre a literatura e as artes visuais um espaço para expor o limite da expressividade do vivente, o pathos diante da morte térmica, esvaziado de um drama psicológico. Assim, no encadeamento do monólogo, o cachorro morto funciona como uma espécie de fantasma, fato que é menos intenso em Junco. O fantasma do cachorro morto está no corpo de quem o escreve: “Por que não largo você? Por que não abro as pálpebras e solto a tua imagem? Imagem, matilha aprisionada – saia daqui. Saia de trás das minhas pálpebras” (Ramos 2007, 360). Neste primeiro momento, o cachorro morto é um fantasma e, posteriormente, em Junco, essa condição fantasmática é reduzida à sua própria matéria em movimento. No entanto, neste monólogo, Nuno Ramos ainda luta com a formação das imagens: “Vire corpo, imagem. Vire corpo completamente – casca, derme, pelo, baba, plástico” (Ramos 2007, 364).

No segundo monólogo, existe o tom de fábula. O lugar atípico onde acontecem situações improváveis encontra em um “tronco podre” o “lugar não” que está em Junco: “Não de nuvem, não de sombra, não de fogo, nem saliva nem esperma nem mucosa mas daquilo, feita daquilo ali: madeira” (Ramos 2007, 364). Pontualmente neste monólogo, as frases tornam-se uma especulação de outros viventes sobre uma matéria sólida, a madeira:

A confraria dos bichos úmidos confabulava sobre o tronco deitado em que enfiava a unhas. “O céu morreu para ele”, diziam as lesmas. “O chão é que se prepara, numa lentíssima refeição, para mordê-lo.” “Mas que chão será o dele?”, respondia a folhagem. “Chão de terra? De areia? Ou chão submarino?” A tudo o tronco escutava, fingindo que dormia. E ao passo, à passarada, à voz de um melro, ao ruído de uma roda – a tudo o tronco ouvia, fingindo que estava morto (Ramos 2007, 365).

De posse de um corpo animalizado, o tronco encena sua própria morte. A fábula abandona temporariamente sua função pedagógica e edificante para assumir um papel fenomenológico, mais próximo do que Marielle Macé chamou de um “conjunto de tarefas [que] comporta uma referência a um olho possível” (Merleau-Ponty 1995, 244-5). Assim, a leitura de Marielle Macé torna evidente uma preocupação da própria teoria literária diante das ciências vida. Ao se perguntar que animal habita um texto literário e qual o seu limite no plano da expressão material da linguagem, prolonga-se uma discussão estética e política sobre a questão da aparência, das formas de apresentação de um vivente. Macé observou de modo muito agudo que a presença de clássicos da zoologia e da biologia como Adolf Portmann e Jakob von Uexküll trazem duas questões fundamentais para a literatura e para todo o sistema artístico, respectivamente, a lógica da aparência e os modos de habitar o mundo (Macé 2011, 97).

Ambos os problemas são decisivos na obra de Nuno Ramos. Mesmo que a presença animal tenha graus distintos em um poema e em uma instalação, existe uma parceria do poeta-artista com um mundo desconhecido, mesmo que haja uma tentativa de autorretrato:

Um poema se fez!, aviso/ num pito/ voltem à praia onde juncos/ moles, brancos/ aspargos sobre carvalhos mortos/ boiam formando palavras/ num espelho de algas/ moídas com olhos enormes./ Voltem à praia onde cães/ predando os próprios ossos/ como donos do sol/ riem de nós, mas por nós./ Ali encontrarão minha cara (Ramos 2011, 89).

Talvez seja na paráfrase de um título de James Joyce que possamos alcançar a síntese do “retrato do artista enquanto animal”, operando tanto a lógica da aparência quanto os modos de habitar o mundo. Merleau-Ponty, pontualmente em suas notas do curso do Collège de France, La Nature, discute a própria inexistência de um “Eu puro”,[5]onde um corpo é capaz de deslizar de aparência em aparência para experimentar distintos modos de habitar o mundo. Em literatura, isso é um exercício poético e ficcional. Nas artes visuais, seguindo por esse viés, são modos de acionar novas formas sensíveis. Assim, quando Merleau-Ponty anota que “a vida é um princípio distraído, capaz de não seguir aquilo que ela tinha começado” (Merleau-Ponty 1995, 89), ele nos aproxima de algo fundamental em Junco: as formas de aparição dos animais e dos vegetais estão inacabadas e em movimento e migram de obra em obra e, a partir dessa leitura, por que não arriscar, de escritor para escritor, de artista para artista e de ambos, pensando em uma cadeia mútua, para os leitores e espectadores.

2. O osso: a ave

Os artistas Jennifer Allora & Guillermo Calzadilla (1974, Filadélfia / 1971, Havana) ocuparam um antigo bunker na Alemanha com o vídeo Raptor’s Rapture (2012), no contexto da 13ª Documenta de Kassel (9 de junho a 16 de setembro de 2012). Em linhas gerais, o vídeo envolve uma ave, uma flauta e uma musicista. No entanto, essa flauta é específica.

ALLORA CALZADILLA. RAPTOR'S RAPTURE (2012)
ALLORA CALZADILLA. Raptor’s Rapture (2012). Cortesia da Lisson Gallery

Trata-se de um tipo de flauta criada há trinta e cinco mil anos pelo Homo sapiens, na era paleolítica, e até onde se sabe ela é o instrumento musical mais antigo do mundo. André Leroi-Gourhan, na aula inaugural do Collège de France, em 1969, afirmou que nesse período o desenvolvimento de um vocabulário tipológico acontecia junto com uma necessidade técnica, “fundada em analogias mais ou menos próximas com os objetos conhecidos para os viventes primitivos” (Leroi-Gourhan 1970, 11). Assim, o fato da música vir do próprio osso da ave, animal por excelência musical, é uma forte analogia na qual se funda esse instrumento. A ave que está na obra em questão é um abutre, tido como um dos descendentes das mais antigas criaturas. A música, uma “cápsula do tempo do som” (Documenta 2012, 410), como os artistas chamaram, é uma espécie de “cena de origem”.

A obra tem por base a execução de uma música que soa como um canto de caça, de combate ou de expansão territorial. Ela é tocada por Bernadette Käfer, uma flautista especializada em instrumentos musicais pré-históricos. Compartilhando o mesmo espaço, Bernadette toca o instrumento para um abutre vivo. Ao longo dos vinte e três minutos e trinta segundos de performance, existem momentos em que o movimento da ave está sincronizado com o ritmo da música, embora haja outros em que ela se mostra ameaçadora, saindo do ritmo. O que os artistas sensivelmente põem em questão é um jogo de aparências do animal, nos fazendo perguntar qual o limite da representação quando o animal está em cena.

Antes mesmo das reflexões de Marielle Macé, o historiador da arte Bertrand Prévost evidenciou o pensamento de Adolf Portmann frente ao problema da representação, da expressão e do espectador. Assim, quando vemos um animal em cena, devemos desconfiar de imediato do seu efeito de encenação, pois sua autoapresentação não está endereçada para tal fim. Mesmo assim, a relação do olhar entre imagem e espectador nos direciona para condições prévias de visibilidade da imagem, sobretudo se continuarmos em seu aspecto fenomenológico. Prévost retoma esse argumento para falar que as imagens aguardam o nosso olhar justamente para alcançar sua plenitude, que seria um tipo de “consagração perpétua, intelectual, crítica”[6]. Essa troca de olhares entre quem olha e é olhado pela imagem nos permite, inclusive, repensar qual seria o papel de uma “cena de origem”, mais precisamente o confronto entre a busca de uma reinstauração de algo remoto ou sua reencenação frente a outras situações contextuais.

A cena de origem do homem e sua mais antiga expressão musical, almejada por Allora & Calzadilla, alcança um nível dramático quando pensamos que o espaço instalativo em questão é um bunker. A sobreposição dos dois lugares, o imaginário primitivo e um abrigo contra ataques aéreos, ganha uma dimensão de deslocamento quando está explícito que seu entorno é a Documenta de Kassel. Por mais que os artistas tenham uma démarche clara, bem demarcada, os espaços ora se fundem, ora se diferenciam, graças a esse contexto. Se em Nuno Ramos encontramos um “lugar não”, concebido em poemas e em fotografias, criando um espaço de ausência protagonizado pela matéria em transformação, em Raptor’s Raputure temos dois lugares claros e contrastantes (caverna, bunker) em um terceiro, o espaço expositivo, institucional. Entre tais espaços, distintos níveis de percepção animal podem ser evocados: o contato com o primitivo, a presença do instinto de morte e de sobrevivência, além da presença estética e política da obra. Em todos os momentos, a aparência animal desempenha uma morfologia com seus modos de aparição.

ALLORA CALZADILLA. RAPTOR'S RAPTURE (2012)
ALLORA CALZADILLA. Raptor’s Rapture (2012). Cortesia da Lisson Gallery

A aparência animal em Raptor’s Rapture nos evoca duas situações brevemente mencionadas para a exposição da exuberância do abutre em relação à música: a cena de origem das cavernas propriamente dita e o próprio abrigo contra bombardeios. Diante do animal, a teoria da arte e a teoria da literatura parecem encontrar o limite do problema da expressão e da representação. Segundo Prévost, para desenvolver um pensamento a partir desses dois aspectos, é preciso buscar outros pontos de partida, mais precisamente nas “ciências do vivente”, na expressividade animal. Tomando Portmann como démarche, Prévost se pergunta sobre o que fazer dessas matérias de expressão presentes no reino animal, tais como as manchas, zebruras, ocelos, cores reflexivas ou ainda fenômenos como o da bioluminescência. Esses “signos” não estão dissociados dos modos de cada espécie habitar o mundo. Por isso, a presença de Portmann e Uexküll é decisiva para as atuais discussões no campo artístico e no literário, conforme já afirmou Marielle Macé.

Um dos grandes méritos da obra de Allora & Calzadilla é abordar o viés da presença animal pela música. Dominique Lestel, no préfacio à nova tradução francesa de Milieu animal et milieu humain,de Uexküll, reserva um papel especial para os músicos, isto é, para aqueles que melhor apreendem a extrema complexidade das relações entre o animal e o seu ambiente. Nele, o que existe entre o homem e o animal não é apenas uma relação de estímulo-resposta, mas o que poderíamos chamar de coreografia entre movimentos que podem ou não ser sincronizados com o ritmo do instrumento, tal como acontece em Raptor’s Rapture.

Em torno da materialidade do instrumento, o fato da flauta ser feita do osso de um abutre faz com que o ato de executar uma música com o despojo de um animal produza um efeito semântico cuja cadeia de significados (osso e animal) logo seja ultrapassada por um drama arqueológico e ontológico. Sim, o diálogo dos artistas com os arqueólogos e especialistas encontram em Raptor’s Rapture um uso estético de um detalhe da história da relação entre homem e animal. Na Documenta, o espectador precisava percorrer um determinado trajeto para acessar a obra. O fato de o espectador precisar utilizar um capacete por motivos de segurança para caminhar por corredores escuros e úmidos até Raptor’s Rapture permite tomar este último ponto para se fazer uma relação histórica e pré-histórica com a noção de espécie. E isso faz eco no próprio discurso de Uexküll, quando ele afirma que cada animal habita o seu mundo de modo subjetivo, mas essa subjetividade, afirma, é uma subjetividade de espécie. (Lestel 2010, 8)

ALLORA CALZADILLA. RAPTOR'S RAPTURE (2012)
ALLORA CALZADILLA. Raptor’s Rapture (2012). Cortesia da Lisson Gallery

Mesmo que Raptor’s Rapture não seja uma obra sobre a guerra, o espaço o direciona para o aspecto do conflito e, enfim, o filme tem uma ressonância política e antropológica no bunker. Na palavra dos artistas, “os sons pré-históricos do filme, trazidos para o presente, ecoam ao longo deste subterrâneo artificial” (Documenta 2012, 410). Está bem claro, no entanto, que o abutre não existe primordialmente como uma metáfora, porque a relação entre ambos, a ave e a musicista, é imediata, imanente. O esvaziamento discursivo ocasionado pela música os mantém unidos. Entre homem e animal, o artefato torna-se então um objeto de mediação dessas camadas de tempo. Assim, a cena de origem atualizada acaba por apresentar uma “comunidade híbrida”, para se valer de uma expressão de Dominique Lestel, segundo a qual homem, animal e objeto estão intimamente ligados. Diante deste aspecto, o próprio artefato passa a ser ambíguo se o analisarmos a partir de Eduardo Viveiros de Castro:

Os artefatos possuem esta ontologia interessantemente ambígua: são objetos, mas apontam necessariamente para um sujeito, pois são como ações congeladas, encarnações materiais de uma intencionalidade não-material. E assim, o que uns chamam de ‘natureza’ pode bem ser a ‘cultura’ dos outros (Viveiros de Castro 2011, 28).

Talvez seja simples afirmar que a flauta seja o ponto de encontro entre a musicista e o abutre, no entanto, é ela que põe ambos em relação. Assim, esta ambiguidade do artefato, a flauta de osso, está diretamente ligada ao caráter híbrido da comunidade, que cria novos pontos de indistinção entre a natureza e a cultura. Ainda na dimensão da antropologia moderna, Mario Pedrosa atenta ao que Franz Boas toma da representação em povos primitivos na arte dos caduceus, levando em consideração as análises de Lévi-Strauss em torno de alguns grupos indígenas em regressão no Brasil. Neste artigo, Mário Pedrosa toca em um aspecto fundamental, “a participação do objeto”, que marca a diferença entre uma sensibilidade moderna, ainda pautada na representação (mesmo tratando-se das vanguardas históricas) e o elemento dito primitivo, onde existe a criação de um objeto que participa (Pedrosa 1975, 221-225). Diante deste aspecto, o objeto tem uma participação ainda mais intensa, formando uma verdadeira comunidade híbrida[7]:

O desdobramento da representação figural tem que se dar em qualquer situação, ou, como diríamos nós, com qualquer suporte. Este é negado pelo artista indígena. Uma caixa de um artista da costa noroeste não é apenas um recipiente decorado de uma imagem animal ou esculpida, mas o próprio animal que guarda ativamente os ornamentos cerimoniais que lhe são confiados. (…) Disso resulta, segundo Strauss, estarmos sempre diante dum utensílio-ornamento, dum objeto animal ou de uma caixa-que-fala (Pedrosa 1975, 225).

A obra de Allora & Calzadilla não deixa de evidenciar a participação do objeto. Essa é uma outra camada acionada pelo trabalho que, mesmo guardando uma distância entre a representação e a participação, nos faz recorrer a outras fontes, por trazer novas preocupações. A partir de André Leroi-Gourhan, Eduardo Viveiros de Castro e Mário Pedrosa, não devemos descartar em Raptor’s Rapture que o osso em si exista enquanto ave, onde canto e fóssil coincidem em uma música. Além dessas leituras, as dimensões estética, literária e filosófica de Bertrand Prévost, Marielle Macé e Dominique Lestel tomam de Adolf Portmann e Jakob von Uexküll uma dimensão do vivente que se complexifica diante de Raptor’s Rapture. A tarefa, ao que parece, não é mais contextualizar a obra na linha diacrônica da história da arte, mas convocar esse objeto para ser plenamente imagem, mesmo que ainda exista uma fenda fundamental entre o imaginário primitivo e o artista que herda a sensibilidade moderna, como afirmou Mário Pedrosa: “o artista primitivo cria um objeto ‘que participa’. O artista de hoje, como algo de um desespero dentro dele, chama os outros a que dêem participação ao seu objeto” (Pedrosa 1975, 225). Esse desespero em Allora & Calzadilla pelo menos expõe vivamente um conjunto de formas de vida no qual o objeto também participa.

3. O caranguejo: a mão

Na 30ª Bienal de São Paulo, realizada em 2012, o artista brasileiro Rodrigo Braga (Manaus, 1976) apresentou em uma galeria do pavilhão cinco fotografias e três projeções em vídeo, uma série que tem como título Tônus. As imagens de Rodrigo Braga geralmente partilham um duplo estatuto, o da própria fotografia e o que poderíamos chamar de registro de um acontecimento, pois, no limite da performance, o artista frequenta lugares isolados, como a floresta amazônica e o sertão pernambucano, o que já demarca duas geografias bem diferentes.

Entre um contraste topográfico de distintas regiões brasileiras, Rodrigo Braga elaborou um “biólito” em uma das

Photo: Rodrigo Braga
Cortesia de Rodrigo Braga 

imagens da série. Retomando a questão da semelhança entre o cachorro morto e o tronco de madeira, em Junco, de Nuno Ramos, e ainda uma noção arqueológica em Raptor’s Rapture, de Allora & Calzadilla, a imagem do artista apresenta diretamente a aparência do peixe; seu olho contrasta com o ocelo na cauda, as nuances de cinza no seu corpo; tudo isso marca um forte contraste com a terra, operando uma síntese no trabalho do artista, entre o sertão (o solo vermelho) e o rio (da região amazônica). Os minerais em torno do peixe morto ainda se apresentam como uma camada de poeira, como se o “biólito” também nos apresentasse uma “lição de geologia”, para nos valermos de um título de Nuno Ramos.

A presença do peixe no neologismo “biólito” confere à poeira o seu valor de camada que cobre todas as coisas. Diante desta imagem, o artista expõe uma noção arqueológica mesmo que o vivente ainda não esteja fossilizado. Mesmo esse gesto faz com que o “biólito” partilhe de um pensamento mítico, possibilitando, como queria Mário Pedrosa, a propósito da arte, que suas “coordenadas mágico-estéticas” ressaltassem uma “co-existência espácio-temporal com as sucessivas civilizações históricas” (Pedrosa 1975, 228).

Se para Nuno Ramos, sobretudo em Junco, a terra torna-se um espaço para a transformação da matéria, Rodrigo Braga parece tomar um momento anterior, um da resistência do corpo à terra. Tônus fala desta luta, pois o artista está

Photo: Rodrigo Braga
Cortesia de Rodrigo Braga

preso à terra por outros viventes: plantas e animais. O vocábulo Tônus nos remete a um estado de permanente tensão. Ao mesmo tempo, fisicamente ele suscita o equilíbrio, uma oposição à gravidade por parte de músculos mais leves do corpo. Nesta economia, o que o vídeo exibe pode ser resumido em uma palavra: energia. Toda a resistência à terra acontece por trocas de energia do artista com os meios em que ele está inserido. O corpo humano apresenta uma troca de forças com as do animal: a mão presa ao caranguejo, um peixe sobre um corpo semissubmerso em uma canoa, um corpo preso às árvores ou ainda amarrado a um bode. Tudo isso diz respeito às trocas de energia entre distintos modos de vida, uma verdadeira passion animale, que marca uma grande diferença entre artistas e especialistas do mundo animal, enfatizada por Dominique Lestel. Enfim, trata-se da própria carne do artista exposta a esses distintos níveis de experiência.

Paulo Herkenhoff é um dos grandes investigadores da presença da fenomenologia na arte brasileira. Em Poética da percepção, o crítico e curador optou por criar um “glossário dos sentidos”, onde pelo modo de verbetes ele pensa a

Photo: Rodrigo Braga
Cortesia de Rodrigo Braga
Cortesia de Rodrigo Braga

obra de diversos artistas, sendo que vários deles encontram-se com a produção em curso. Rodrigo Braga é um desses artistas que ocupam o verbete “carne”. Uma de suas obras anteriores, Fantasia de compensação, sequência fotográfica onde o artista se transforma em cão, é tida por Herkenhoff como uma “fusão imaginária do corpo sensiente com a carne do mundo” (Herkenhoff 1998, 53). Nesse sentido, a noção de carne do Mundo, de Maurice Merleau-Ponty, é claramente exposta por Paulo Herkenhoff: “nessa dimensão fenomenológica, [Merleau-Ponty] estende a “carne do visível” à carne das coisas, à carne da linguagem, à carne da história e, finalmente, à carne do Mundo” (Herkenhoff 1998, 53).

Ao estender essa leitura de Paulo Herkenhoff para a producão atual de Rodrigo Braga, ousamos dizer que ele continua habitando uma “carne polissêmica”. Ele é um dos artistas que mais joga com a noção de ambiente, abrindo espaço para a discussão da interanimalidade entre espécies. A esse propósito, Merleau-Ponty, como leitor de Portmann, põe

Photo: Rodrigo Braga
Cortesia de Rodrigo Braga

em evidência uma “ontologia desconhecida do Outro”, sendo esta ontologia não uma determinação de essências ou significações do que nos constitui, mas uma coexistência com esse desconhecido. Em outros termos, essa interanimalidade estaria diretamente ligada ao que Portmann chamava de Tiergestalt, a forma animal, onde a existência de cada animal contribui para a expansão do campo visual de outro animal (Merleau-Ponty 1995, 92).

Rodrigo Braga se vale desse campo em constante ampliação. Suas fotografias contribuem para a expansão do nosso campo visual; elas fazem da animalidade um intervalo em que o conflito que separa o homem do animal pode ser lido apenas como um elemento discursivo que colabora para uma construção ficcional do humano. Essa animalidade expõe ainda uma “carne da história” em Tônus. Ela não está tão explícita quanto em Raptor’s Rapture, de Allora & Calzadilla, mas essa presença já se torna suficiente para discordar de Luis Pérez-Oramas, curador da 30ª Bienal de São

Photo: Rodrigo Braga
Cortesia de Rodrigo Braga

Paulo, quando afirma que o trabalho de curadoria não é um trabalho de historiador, mesmo que a Bienal tenha como “motivo” “a imanência das poéticas”. Sendo esta uma afirmação despretensiosa, é preciso entender que curadores, artistas e escritores são sismógrafos do sensível, capazes de expor os distintos níveis da “carne da história”, e que é em torno de toda imanência das poéticas que todos eles são “historiadores em carne”. Dizer que a curadoria da 30ª Bienal de São Paulo não está fazendo história soa estranho porque “tão somente contribuir para a construção do presente” já é evocar todo um conjunto de camadas do passado, do qual não estamos livres. A organização benjaminiana em forma de “constelações” já revela uma tentativa à contrapelo (mais uma imagem animal) de que essas poéticas, ao serem ressaltadas, apresentem problemas contemporâneos em choque com outros extemporâneos. Justamente por isso, pensar a questão do vivente é se expor ao limite da história. Mesmo que nos esquivemos de um trabalho de historiador tout court, a curadoria de uma instituição como a Bienal de São Paulo, a participação em um evento como a Documenta de Kassel e a publicação de um livro de poemas são modos de habitar o mundo, de constituir um corpo no sentido empregado por Eduardo Viveiros de Castro: “isso que nós chamamos aqui de ‘corpo’ não é então uma fisiologia ou uma anatomia característica: é um conjunto de maneiras e de modos de ser que constituem um habitus, um ethos, um ethograma” (Viveiros de Castro 2011, 39-40).

Enfim, observar a Bienal e a Documenta como um “ethograma” da produção sensível não seria simplesmente render-se a esquemas e estruturas do comportamento humano. O que mais se aproxima é o fato de valer-se ficcionalmente não apenas de uma estratégia discursiva, mas apropriar-se de (e ser apropriado por) um conjunto heterodoxo de modos de vida para entrar e sair da linguagem em suas continuidades e descontinuidades.


Eduardo Jorge (Fortaleza, 1978) atua como crítico, ensaísta e prepara uma tese sobre aspectos teóricos da animalidade em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (Brasil) e pela École Normale Supérieure - ENS (Paris).

Notas

 [1] 50 cm x 50 cm x 600 cm x 400 cm (breu, óleo, algodão gomado e tela de estuque).

 [2] Obra montada na galeria Celma Albuquerque, em Belo Horizonte, Brasil, de 7 de setembro a 31 de outubro de 2012, que consiste no “sepultamento” de três casas nas quais o artista viveu. Nesta obra, as casas estão submersas na lama, os tetos foram praticamente rebaixados ao chão.

 [3] Craca (Bernacle), 1995, 300 cm x 300 cm x 600 cm. Alumínio fundido.

 [4] Eduardo Viveiros de Castro desenvolve mais precisamente essa questão no capítulo “Perspectivismo”, onde encontramos um ponto de contato com as proposições de Joseph Beuys: “Nós dissemos anteriormente que o xamanismo era uma arte política. Nós dizemos agora que ele é uma arte política, pois a boa interpretação xamânica é aquela que consegue ver cada evento como sendo, na verdade, uma ação, uma expressão de estados ou de predicados intencionais de um agente qualquer”, p. 26.

 [5] Pensando em termos fenomenológicos, o corpo pode ser pensado como algo que desliza: “meu corpo é aquilo que é capaz de passar de tal aparência a tal aparência, como o organizador de uma ‘síntese de transição’”.Merleau-Ponty. 1995. Op. Cit., p. 107.

 [6] Disponível em: http://www.fabula.org/atelier.php?Les_apparences_inadress%26eacute%3Bes. Acesso em: 15 de outubro de 2012.

 [7] A expressão “comunidade híbrida” é apresentada e discutida pelo filósofo Dominique Lestel, mais precisamente em L’animalité. Ele defende o animal como uma criatura híbrida com a qual o humano estabelece uma multiplicidade de relações: “a apreensão do humano e da animalidade em termos complementares adquire uma nova pertinência e a ideia de 'comunidades híbridas' torna-se uma noção central para tomar a riqueza e a diversidade de relações do homem e do animal: eles se constroem em uma partilha de sentidos e de interesses que não podem ser estabelecidos em um contrato social de deveres mútuos”. Lestel, Dominique. 2007. “L’animalité”. L’Herne. p. 69.


Obras Citadas

Herkenhoff, Paulo. 1998. Poética da percepção. Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna.

Leroi-Gourhan, André. 1970. Leçon Inaugurale du Collège de France. 5 Décembre 1969. Paris: Collège de France.

Lestel, Dominique. 2010. “Préface”. Uexkull, Jakob. Milieu animal et milieu humain. Paris: Payot & Rivages. p. 8-23.

Lestel, Dominique. 2007. L’animalité. Paris: L’Herne.

Macé, Marielle. 2011. “Styles animaux”. L’Ésprit Créateur 4. No. 51. Minnesota: University of Minnesota. p. 97-105. Merleau-Ponty, Maurice. 1995. La nature. Paris: Seuil.

Pedrosa, Mário. 1975. “Arte dos caduceus, arte negra, artistas de hoje.” Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva. p. 221-225.

Prévost, Bertrand. 2011. Les apparences inadressées. Usages de Portmann. Fabula. Accesse 15 october 2012. http://www.fabula.org/atelier.php?Les_apparences_inadress%26eacute%3Bes

Ramos, Nuno. 2011. Junco. São Paulo: Iluminuras.

Ramos, Nuno. 2007. Ensaio geral. São Paulo: Globo.

Viveiros de Castro, Eduardo. 2011. Métaphyques cannibales. Paris: Puf.

Documenta (13). 2012. The Guidebook. Ostfildern: Hatje Cantz.